Entrevistas

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Guilherme Isnard fala pelos cotovelos - como ele mesmo afirmou ao final da entrevista. Mas não pense que ele se perde com as palavras. Mesmo quando há uma interrupção - num momento da nossa conversa, sua filha de um ano e meio lhe roubou a atenção, em outro, o celular tocou - Guilherme Isnard retona o fluxo de ideias, retoma seu discurso e dá aquela resposta e cheia de conteúdo e opinião.
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Bastou pedir que Guilherme falasse um pouco sobre os anos 1980, dando um panorama geral da carreira do Zero e dessa geração do rock nacional, que o músico desandou a falar sobre o rock, a cultuada década de 80, a falta de motivação e conteúdo do rock e do pop feitos nos dias de hoje.

Às vezes pode parecer que ele é um inconformado, no pior sentido, desiludido ou que simplesmente envelheceu. Mas a verdade é que o músico é mais saudosista do que qualquer outra coisa. Na época dele era melhor. E a gente acaba concordando com ele.

Como a entrevista foi feita no dia 04 de dezembro, portanto antes do show de reunião da formação clássica (Guilherme Isnard, Freddy Haiat, Eduardo Amarante, Rick Villas-Boas, Athos Costa e Malcolm Oakley), que aconteceria no dia 08, o músico se refere ao evento no futuro. A conversa rendeu e você confere abaixo o resultado.

O Zero atingiu o auge de sucesso nos anos 1980. Chegaram a abrir shows da Tina Turner no Pacaembu e no Maracanã...

Guilherme Isnard: Dois shows no Maracanã e um no Pacaembu, num total de quase 400 mil pessoas. Muita gente!

O Zero foi uma das bandas do rock nacional dos anos 80, geração hoje extremamente cultuada e mesmo na época, muito querida, muito viva...

Guilherme: É difícil imaginar que estaríamos hoje desse jeito...

Como é ter feito parte disso? Ter 'sumido' das rádios, TV e revistas nas décadas seguintes, depois desse sucesso todo. Foi frustrante?

Guilherme: Eu acredito que aquele momento dos anos 80 foi muito especial e por isso tem gente que acha que há uma obsessão pelos anos 80, tem gente que acha que as pessoas não conseguem se livrar deles. Eu vejo da seguinte maneira: Os anos 80 tiveram o que de melhor se produziu na música jovem no Brasil. Assim como foram os anos 60 pra Inglaterra, pro rock britânico, e os anos 70 para o rock norte-americano. Foi uma geração que concentrou os melhores compositores da história da música jovem desse País. Mas se a gente levar em conta que o rock é uma manifestação contracultural, ele fica muito desconfortável quando está no mainstream, quando ele é a cultura de massa. Se por um lado foi bacana porque as bandas de rock muito mais faziam shows e etc, por outro lado elas estavam fora do lugar, porque o rock n roll é o inconformismo. A mola do rock é o inconformismo. Então quando você está ali, na programação das principais redes de TV, com músicas executadas massivamente no rádio... Você não tem mais muito motivo para estar inconformado.

Pode ocorrer uma acomodação...

Guilherme: A tendência de virar gato de armazém é praticamente inevitável. Você vai querer cochilar... O Zero deu sorte porque a gente resolveu encerrar a banda antes disso se cristalizar. O Freddy foi o primeiro a jogar a toalha, porque tinha os negócios dele, a Habro Music [N. do E: uma importadora e distribuidora de instrumentos musicais]. A Habro cresceu depois da liberação da importação e o negócio tomou uma dimensão grande na vida dele e ele se voltou para isso. E ele fez muito bem, mas prejudicou minha parceria. Em parceria com o Freddy eu compus os maiores sucessos da minha carreira, do Zero. Eu e Freddy fizemos “Agora eu Sei”, “Formosa”... São canções que encontraram espaço na década mais disputada do ‘hit parade’. Eu, se um dia for escrever minha biografia e avaliar minhas conquistas, eu não estava brigando com pangarés! Eu estava disputando espaço na mídia com Renato Russo, Lobão, Cazuza. Com pessoas de um nível muito bacana. Então eu fiquei triste de perder o parceiro de composições.

Pra fechar a história da frustração... Eu não vou negar. Num momento você é a pessoa mais querida do mundo. Todo mundo quer estar com você, quer falar com você. E depois você volta a ser um ser humano normal. Isso não é fácil. Mas no nosso caso, de novo uma grande sorte. Quando eu falei “vamos terminar a banda. A gente está no auge, tá bombando, os shows estão cheios, o disco está vendendo. A gente não precisa esperar a decadência para resolver encerrar. Eu to vendo que a gente não compõe uma música nova faz tempo e então eu concluo que o assunto esgotou”. E eu estava muito incomodado com a perda de privacidade, do direito a uma vida calma e tranquila que o sucesso provoca... Se bem que era uma época fácil. Hoje deve ser uma desgraça. Porque, na nossa época, encontrar um fã com uma máquina Xereta [N. do E: Xereta era uma câmera fotográfica de filme da Kodak] era uma possibilidade até que remota. Hoje em dia todo mundo tem uma câmera digital no bolso. Hoje seria mais difícil para você...

Guilherme: Muito mais difícil. Eu tenho uma admiração incrível por esses artistas de música popular, nem tanto pela arte que eles produzem, mas pelo que eles enfrentam cotidianamente. De ter que se relacionar com o fã que está sempre munido de câmera de vídeo e fotografia em tudo quanto é telefone. É um ‘big brother’ da celebridade que eu não conseguiria.

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